Sinto-me triste!
Todas as manhãs, enquanto me dirijo para o emprego, ouço a rádio.
E todas as manhãs ouço um anúncio de uma instituição bancária em que o locutor pergunta a um jovem:
- "Hã, que sorte... O primeiro ordenado.... 375 €... Já viste quanto isso dá em moedas de cêntimo?"
- "Pois é..."
- " E agora? Que vais fazer com tanto dinheiro?"
- "Sei lá... Vou ao cinema com a minha namorada, depois se calhar compro um CD ou talvez dois e o resto entrego ao meu contabilista..."
- "E que mais?"
- "Pois não sei... Invisto.... Ou tomo um café..."
O texto é, mais ou menos, este. E tem variantes. Também tem uma moça cujo maior sonho é comprar umas calças que viu no Saldanha... bem, verdade seja dita: esta é quase milionária, uma vez que aufere uns exorbitantes 430€...
Escusado será dizer que todo o anúncio é dito num tom de voz extremamente feliz, como se tivesse saído a sorte grande mais o totoloto mais o euromilhões mais o totobola...
E sim! O anúncio ainda serve para fazer publicidade a outros produtos: desconto de 50% no seguro de saúde no primeiro ano (sim, só no primeiro ano), condições especiais para aquisição de carro, 1 de 3 modelos à escolha, condições especiais para aquisição de 1 I-Pod de 80 Gb (como se pode ver, um produto de extrema necessidade), enfim, uma série de vantagens oferecidas por este banco.
Na verdade sinto-me triste porque já se assume abertamente que os valores mencionados são algo de bom quando, na verdade, são salários miseráveis...
Sinto-me triste porque o nº de pessoas a auferirem esse tipo de salários é suficientemente elevado para atraírem a atenção dos abutres bancários.
Sinto-me triste porque o que é oferecido são coisas perfeitamente inúteis: Se uma pessoa ganha 370 euros vai contratar um seguro de saúde? Parece-me que não: afinal, não serve para todas as necessidades, tem que se pagar a despesa por inteiro antes de se ser ressarcido, há ainda a eventualidade de a companhia não autorizar algum meio auxiliar de diagnóstico... Não, parece-me que quem ganha aquela fortuna toda vai mesmo usar o Serviço Nacional de Saúde....
E o carrito? Bem, com aquele ordenadão sempre o quero ver a por gasolina, pagar impostos, seguros...
E ainda, para finalizar, o pacote informático até 50 euros/mês.
OK!
Certo!
Se retirarmos as prestações todas, quanto é que fica para o dono do ordenado?
E depois vêm aquelas coisas de somenos importância.
Digo de somenos porque para essas não existe crédito.
Como é evidente, refiro-me à paparoca, aos trapinhos, às chancas e, já agora, um quartinho para habitar.
Pois, parece que para isso já não há orçamento.
Mas não importa.
QUEM SABE, SABE
E O BES É QUE SABE
(como chupar cada cêntimo ao incauto desprevenido)